Vida longa para a Educação Física e para o jornalismo

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 POR JOÃO BATISTA FREIRE*


No jornal “Folha de S.Paulo”, o jornalista Marcelo Coelho mostrou-se entusiasmado com a possibilidade de extinção da disciplina Educação Física.

Na proposta de reforma do Ensino Médio, o MEC sugere o término da obrigatoriedade da Educação Física.

As lembranças de aulas de Educação Física quando menino foram traumatizantes para Marcelo Coelho e ele vê com entusiasmo o castigo que essa disciplina faria por merecer.

Fala do assunto como se praticasse uma tardia vingança.

Passei por algo parecido quando fazia Educação Física na escola.

Ao contrário do jornalista, recuperei-me do trauma, formei-me professor e tive a oportunidade de participar da construção de um modo de fazer Educação Física que tornou aquela que ele viveu peça de arqueologia, embora ainda existam, entre os professores dessa disciplina, remanescentes do período das cavernas.

Tive experiências igualmente traumatizantes com a Matemática, aprendi a odiá-la por algum tempo, e nem por isso me manifestaria com júbilo caso ela fosse ameaçada de extinção; quando muito torceria para que, de maneira geral, os professores de Matemática humanizassem sua pedagogia.

Maior trauma sofri, no entanto, com a escola de modo geral.

Menino louco por brincadeiras, trancaram-me em salas de aula, imobilizado em carteiras, sem espaço para me mexer, conversar, rir ou chorar durante anos e anos.

Todos passamos por essa clausura, impedidos que fomos de ser crianças ou adolescentes.

E nem por isso me entusiasmo com a ideia da extinção da escola. Sou educador e trabalho todos os dias por uma Educação Física melhor e por uma escola melhor.
O texto do aclamado jornalista Marcelo Coelho, de quem sou leitor e a quem muito respeito, seria menos grave não fosse ele o formador de opinião que é.

Deveria ter consultado pessoas confiáveis da área antes de escrever o que escreveu.

Testemunhei, ao longo de minha vida, reportagens catastróficas, indignei-me com manchetes de tabloides, mas não me aventuraria a sugerir medidas para o jornalismo antes de consultar os bons jornalistas.
Não é de hoje que a Educação Física é ameaçada.

Até porque essa negação vai além da Educação Física.

Durante doze anos de escolaridade, crianças e adolescentes são encarceradas em espaços reduzidos de meio metro quadrado, quatro horas por dia, duzentos dias por ano, num total de 9600 horas de seus melhores anos de vida.

Isso é exclusão, numa época em que tanto se fala em inclusão.

Exclusão do corpo. O corpo não pode ter vez na escola, porque ele nos amedronta, ele cede aos vícios, ele se degrada, ele morre, e não queremos esse destino para nós.

Mas ele também é a fonte da felicidade; daí a ansiedade das crianças para sair da sala e ir para a aula de Educação Física.

O medo do fim nos leva a negar o corpo, é preciso fazer de conta que ele é uma outra entidade diferente de nós.

Mas isso não é possível. Não podemos nos livrar do corpo, porque seria o mesmo que nos livrarmos de nós mesmos. O corpo somos nós, enquanto perdurar esta vida. E uma criança não pode viver como se não fosse corpo, como se não fosse criança.

Assim como um adolescente, exatamente num período de vida de tão grandes transformações físicas, não pode viver negando que é corpo. É disso que se trata. Queremos fazer de conta que poderemos nos livrar do corpo para sobreviver ao seu suposto destino final.
Marcelo Coelho alinha-se a essa ideia quando afirma seu entusiasmo pela extinção da Educação Física.

Antes, ele deveria conhecer o que foi construído em nossa área dos anos 1980 para cá. E até mesmo antes disso, se estudasse os belos trabalhos de nossos pioneiros Inezil Pena Marinho, Fernando Azevedo, Oswaldo Diniz ou Alfredo Colombo.

Não se trata, saiba o ilustre jornalista, de ser o esporte ou as brincadeiras os conteúdos mais ou menos adequados. Trata-se de projetos educacionais, de projetos de vida, que carecem de sentido sem a orientação do método adequado ou de uma pedagogia humanizante. Pena ele não ter nos perguntado antes de se entusiasmar com nossa extinção. Teríamos carradas de exemplos de uma Educação Física que ele não teve a felicidade de conhecer.

O espaço é pequeno para indicar trabalhos notáveis feitos atualmente por professores e professoras extremamente competentes. Poderíamos descrever projetos muito bons que tornam nossos alunos adolescentes protagonistas de projetos para atuar com a dança, com os esportes na natureza, com esportes radicais, com o conhecimento do próprio corpo, com os primeiros socorros e cuidados com a saúde, com as discussões de gênero, com as drogas, o racismo e a homofobia.

Há uma vasta cultura de jogos e exercícios, o que inclui o esporte, a dança, as lutas, o circo, as ginásticas, as brincadeiras populares, entre tantas manifestações do exercício e do lúdico, que nossos jovens precisam aprender a praticar e a compreender, o que jamais será feito caso seja decretada nossa extinção.
Marcelo Coelho exultou com nosso fim. Nós, ao contrário, queremos para ele vida longa, pois precisamos, mais que nunca, de seu bom jornalismo.

*João Batista Freire é professor Livre Docente aposentado da Unicamp, além de ter trabalhado na USP e na Universidade Federal da Paraíba e na Universidade Estadual de Santa Catarina, e autor de diversos livros sobre Educação Física e Esporte.

Artigo: João Batista Freire “O caráter do futebol brasileiro”

 

POR JOÃO BATISTA FREIRE*

Mesmo que não ganhe medalha, a seleção feminina de futebol já deixou ótima impressão. A masculina, ganhando ouro não apagará a má impressão que construiu. É uma questão de caráter. Não me refiro ao caráter deste ou daquele jogador, mas do comportamento da equipe como um todo. O mesmo que mostra, há muito tempo, o futebol brasileiro, um caráter falho, duvidoso. Traço que não apresenta a seleção feminina, até porque as meninas são vítimas dele, como de resto, todos aqueles que procuram manter a dignidade no campo minado do nosso futebol. Há muitos anos o futebol brasileiro desfila num ambiente de imoralidade, com dirigentes presos, procurados, desvios de dinheiro, depósitos em paraísos fiscais, etc. Portanto, dificilmente seremos bem sucedidos ao procurar os defeitos nesta ou naquela atuação da seleção brasileira, neste ou naquele esquema do técnico A ou do técnico B. Há um caráter coletivo falho manifestado, tanto no modo de jogar da seleção e de clubes, como nas declarações de dirigentes, ou na maneira intimidada como técnicos atuam, quase sempre para não perder seus empregos, ou ainda na desenvoltura com que agentes transformam o futebol em mero negócio, sob a complacência suspeita dos dirigentes. Jogadores apenas razoáveis são mimados como crianças e convencidos por seus agentes de que são craques, e raros craques convencidos de que são deuses, só para que suas imagens rendam mais lucros. Nossos dirigentes se supõem acima da lei, e, por algum motivo, escapam das malhas da justiça brasileira, embora sejam procurados em qualquer território fora de nosso país. Não é culpa do Gabriel Jesus, do Neymar ou do Renato Augusto. Não existe alguém para ser culpado. Há uma estrutura podre que alimenta um negócio podre. E, se essa estrutura não fosse podre, os que se alimentam dela morreriam de inanição. Ou seja, dificilmente ela terminará, até porque aqueles que a administram não querem morrer de fome.

*João Batista Freire é professor Livre Docente aposentado da Unicamp, além de ter trabalhado na USP e na Universidade Federal da Paraíba e na Universidade Estadual de Santa Catarina, e autor de diversos livros sobre Educação Física e Esporte.

Aprendizagem não é saber muito, diz pesquisador português

Enviado por mcn

Da Carta Educação

Um dos principais pensadores da Educação contemporânea fala do papel do professor diante dos novos contextos
Cinthia Rodrigues

A disponibilidade e a forma clara e simples como o português António Nóvoa, 60 anos, fala contrastam com seu currículo. Autor de mais de duas centenas de trabalhos científicos na área de História e Educação, é reitor honorário da Universidade de Lisboa e professor convidado em Colúmbia (Estados Unidos), Oxford (Inglaterra), Paris 5 (França), além de colecionar condecorações, como a da Ordem do Rio Branco, do Brasil. Fora as citações a outros pensadores e a segurança com que responde, seu discurso evoca para a sala de aula a recuperação do básico. “O professor tem de ajudar o aluno a transformar informação em conhecimento”, diz, resumindo em outro ponto que o bom profissional é o aquele capaz de “conseguir que, no fim, o aluno goste daquilo que, no princípio, não gostava nada”.

Para chegar a tanto, Nóvoa prescreve mudanças profundas na formação incial e continuada, maior participação da sociedade e que cada educador assuma seu papel de formador inclusive de si próprio e dos colegas. Em sua opinião, as novas tecnologias nos tornam personagens da terceira grande revolução da humanidade e é preciso “usar o potencial” delas, o que não substitui a necessidade de um bom professor.

Carta Educação: Em uma sociedade da informação, em que quase tudo pode ser buscado em textos e vídeos. Qual o papel do professor?

António Nóvoa: O professor tem de ajudar o aluno a transformar a informação em conhecimento. O que define a aprendizagem não é saber muito, é compreender bem aquilo que se sabe. É preciso desenvolver nos alunos a capacidade de estudar, de procurar, de pesquisar, de seleccionar, de comunicar. Para isso, o professor é insubstituível.

CE: Apesar de termos no currículo disciplinas como Filosofia e Sociologia, é comum adolescentes reclamarem que a escola tem muito conteúdo e pouco espaço para pensar. Por que isso ocorre?

AN: A Filosofia e a Sociologia são fundamentais. Mas aprende-se a pensar em todas as disciplinas, das ciências às artes e às humanidades. É necessária uma pedagogia que coloque os jovens numa atitude de pesquisa, de procura, de resolução de problemas, em vez de lhes servir uma matéria já pronta e acabada. É inacreditável como, em pleno século XXI, ainda temos de repetir o que Montaigne já dizia no século XVI: é preciso ter uma cabeça bem feita e não bem cheia.

CE: Qual a prioridade, ensinar a pensar ou os conteúdos?

AN: Deve-se ensinar a pensar e a estudar. Mas isso não se faz no vazio. É preciso adquirir bases e fundamentos que nos permitam pensar e criar. Sabemos que o estímulo e a exigência desde a mais tenra idade criam bases e rotinas (de leitura, de cálculo, de pensamento) que nos libertam para outras aprendizagens. Dito de outro modo: quando as rotinas básicas são feitas “automaticamente”, a nossa atenção e energia podem concentrar-se noutras tarefas e atividades.

CE: Como o professor pode levar o aluno a pensar?

AN: Por exemplo, adotando os métodos da ciência: colocar problemas, fazer o diagnóstico, conhecer as diversas soluções, trabalhar com os outros, experimentar novas soluções, comunicar os resultados. Mas não era isso que Freinet propunha, há quase cem anos, quando falava de experimentação, criatividade, autonomia e cooperação?

CE: Quais evidências se vê na sociedade hoje de que a escola tem ou não ensinado a pensar?

AN: Muitas vezes, na Educação Básica, esquecemos que o conhecimento é a base da liberdade, da possibilidade de construirmos o nosso próprio percurso pessoal. Já na educação superior caímos, frequentemente, na tentação de formar “cultos ignorantes”, pessoas que sabem muito de certas áreas e nada das outras. Precisamos de novas concepções de educação. O modelo escolar, tal como o conhecemos, já não serve. A sala de aula, os quadros negros, os horários escolares rígidos, os professores a darem a matéria frente a uma turma de alunos, currículos, uniformes… Precisamos de uma outra pedagogia, a partir de duas ideias centrais: Primeira, construir um percurso individualizado e um acompanhamento próprio para cada aluno, permitindo que ele estude e trabalhe o conhecimento ao seu ritmo, no espaço escolar e noutros espaços e tempos, certamente em diálogo com os professores e os outros colegas. E segunda, assegurar uma forte participação dos alunos na vida da escola e também uma ligação mais forte com os espaços familiares e sociais, que vão adquirir nas próximas décadas uma maior importância na educação.

CE: Em que pontos as novas tecnologias ajudam e atrapalham os educadores em sua missão?

AN: Os educadores sempre tiveram resistências em relação às tecnologias por receio de que elas pudessem prejudicar o convívio e a proximidade entre as pessoas. A grande novidade dos últimos tempos é que as tecnologias se têm desenvolvido no sentido de facilitar a relação e a comunicação. Nesse sentido, contêm um importante potencial educativo, sem nunca substituírem “a educação de humanos por humanos para o bem da humanidade”, como diz Mikhail Epstein. Nenhum de nós ignora certos usos preocupantes das tecnologias, mas essa crítica não nos deve impedir de compreender a revolução que está em curso na forma como buscamos o conhecimento, como usamos o cérebro, como pensamos, como nos relacionamos e comunicamos, numa palavra, a revolução em curso na forma como aprendemos.

CE: Muitas pesquisas apontam para o uso de tecnologias para facilitar o trabalho docente ou para aumentar o interesse dos estudantes sobre um determinado tema. Como o senhor vê tais recomendações?

AN: Como diz Michel Serres, somos contemporâneos da terceira grande revolução na história da humanidade. A primeira, foi a escrita, há 6 mil anos. A segunda, foi o livro impresso, há 500 anos. A terceira é hoje, a revolução digital. As tecnologias fazem parte do dia a dia das novas gerações. Claro que têm de ser integradas na escola e nos processos de aprendizagem e que têm de ser objecto de uma reflexão profunda sobre a forma como devem ser utilizadas por professores e alunos.

CE: Uma corrente pedagógica acha que as escolas tem sido usadas com laboratórios de experiências. Em sua análise, quando uma política pública deve ser mudada para conseguir mais resultados de aprendizagem?

AN: É uma pergunta difícil. Por um lado, há muitos políticos que acham que basta fazer leis e reformas e não se apercebem que isto nada muda. Por outro lado, há a inclinação de muitos educadores para seguirem modas importadas daqui e dali. São duas tendências muito negativas, que, muitas vezes, transformam as escolas em laboratórios das políticas ou dos modismos. Mas é preciso manter nas escolas um trabalho de reflexão permanente, para ir encontrando as melhores soluções, os melhores caminhos. Nesse sentido, é impossível ser professor sem assumir uma atitude de experimentação, de procura, de inovação.

CE: Como o senhor vê as avaliações padronizadas aplicadas para que os conhecimentos entre estudantes, escolas, estados ou países possam ser comparados?

AN: São instrumentos muito pobres que pouco dizem sobre a vida escolar e o trabalho dos alunos. Mas não os podemos ignorar, por duas razões. Primeira, porque apesar da sua pobreza, têm uma grande visibilidade e podem ajudar a desencadear uma reflexão útil. Segunda, porque influenciam profundamente a maneira como a sociedade e os próprios alunos vêem a escola e os professores, o que é importante para a criação de um melhor ambiente educativo.

CE: Os professores reclamam da falta de formação para produzir aprendizagem? Como é possível preencher tal lacuna? Qual parte cabe a cada educador e quais outras a outras esferas?

AN: Tem de haver mudanças profundas na formação de professores. Na formação inicial, aproximando mais a universidade das escolas e das culturas profissionais, para que haja uma fertilização mútua entre a teoria e a prática. Na formação contínua, recusando formações por catálogos de cursos e instaurando processos de colegialidade e de cooperação nas escolas, em torno do trabalho pedagógico. Sim, ser educador é assumir também uma responsabilidade perante a nossa própria formação e perante a formação dos nossos colegas.

CE: Os professores também reclamam da falta de interesse dos estudantes pelas matérias. Até que ponto o professor é responsável pelo desinteresse e pode mudar esta realidade?

AN: Claro que pode. É isso que fazem os melhores professores – conseguir que, no fim, o aluno goste daquilo que, no princípio, não gostava nada. Conseguir que, depois do trabalho do professor, o aluno que não gostava de matemática passe a gostar de matemática. Mas, para isso, é preciso fazer também um trabalho de sensibilização no plano social, criando “territórios educativos” em que toda a gente se mobiliza para apoiar e valorizar as aprendizagens, como está a ser feito em municípios brasileiros.

CE: O Brasil vive um momento de propostas de reforma no Ensino Médio após mais de uma década de monitoramento de indicadores ruins. Entre as propostas estão agrupar disciplinas em áreas, flexibilizar o currículo e aumentar o tempo integral. O que o senhor acha?

AN: O Ensino Médio constitui, hoje, em todo o mundo, o nível mais problemático. Em muitos países, a escolaridade obrigatória alargou-se até aos 18 anos, mas temos dificuldade em saber exatamente o que fazer. Uma nova organização curricular parece-me uma medida acertada, bem como uma flexibilização do currículo. O tempo integral é importante, se não for para dar mais do mesmo, mas sim para construir novas dinâmicas de aprendizagem, de ligação à sociedade e ao trabalho.

João Batista Freire – Ícone da Educação Física Escolar

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O grande Mestre João Batista Freire sempre foi fonte de inspiração para o Korfebol Brasileiro. Recentemente em seu facebook realizou referência ao nosso curso de esportes alternativos.

Para quem quer passar em qualquer concurso para O estado ou município fica a dica.

LEIA JOÃO BATISTA FREIRE, caso contrário você não passa…

 

JOAO BATISTA FREIRE

Me aposentei como professor MS-5, Livre Docente, na Unicamp, depois de trabalhar nessa instituição por 15 anos. Antes disso trabalhei na USP e na Univ. Federal da Paraíba. Depois de me aposentar na Unicamp trabalhei por alguns anos na Universidade do Estado de Santa Catarina. Atualmente sou consultor do Instituto Esporte Educação – IEE em São Paulo e colaborador da Universidade do Futebol.

Experiência Profissional:

Minha carreira profissional em EF começou no Atletismo, onde fui professor de crianças e técnico durante uns 10 anos. Depois trabalhei com vários esportes, até 1999. Dei aulas em várias Faculdades de Educação Física e escolas da rede pública.Publiquei diversos livros. Os mais lidos foram: Educação de corpo inteiro, da Editora Scipione, Educação como prática corporal, da Editora Scipione, De corpo e alma, da Editora Summus ePedagogia do futebol e O Jogo: entre o riso e o choro da editora Autores Associados.

Obrigado Mestre pelo carinho de sempre… e por ser esse ser humano o verdadeiro “MESTRE DOS MAGOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA” Fonte de inspiração em minhas aulas…

Marcelo Korfebol

Esporte de Alto rendimento Financeiro x Esporte alto rendimento Social

Transcrevo o artigo do Mestre João Batista Freire.

Fonte de inspiração para o KORFEBOL BRASILEIRO.

Esporte de alto rendimento financeiro x esporte de alto rendimento social

Em 1848, a descoberta de ouro na Califórnia provocou o que chamamos de Corrida do Ouro, que produziu efeitos decisivos na história dos Estados Unidos. O Brasil também teve sua corrida do ouro, no final do século XVII. E em muitos outros lugares do mundo o ouro exerceu atração irresistível. Como sempre, para alguns o ouro despertava apenas cobiça e ambições de riqueza, de poder. Para outros, era símbolo de representações religiosas. No esporte passou a significar a glória suprema, em forma de medalha pendurada no peito dos vencedores. E mesmo quando o objeto da cobiça não era o metal, era como se fosse. O ouro passou a denominar muitas riquezas. E o esporte é um dos ouros modernos. Pode-se dizer que atualmente há uma verdadeira corrida do ouro esporte. E, entre os esportes, o futebol é a mina maior desse ouro jogado.

A movimentação econômica do esporte afeta diversos setores, entre eles o vestuário, a alimentação, os equipamentos, as instalações, os serviços, etc. Porém, a grande vitrine do esporte, o grande alimentador das paixões, são os eventos esportivos. São cada vez mais grandiosos, entre eles, os dois maiores: Campeonato Mundial de Futebol e Olimpíadas. O esporte dos eventos esportivos, especialmente os mais grandiosos, são os esportes que as pessoas, de maneira geral, veem e conhecem. Alguns, a depender do país, são tão exaustivamente exibidos que parte da população torna-se especialista e crítica nele, por mais ingênua que seja essa crítica. De tal maneira os eventos mobilizam as emoções dos aficionados que os atores da prática esportiva (dirigentes, jogadores, promotores, publicitários, jornalistas, etc.) podem movimentar a paixão dos fãs à semelhança de marionetes movidas por fios. Por isso, o esporte atual presta-se tão bem à satisfação da cobiça por riqueza e poder.

O esporte, no entanto, compõe uma dimensão tão grandiosa na cultura humana que infiltra-se por caminhos que não só aquele da riqueza e do poder, embora, mesmo assim, de certa forma, alimentando a economia. As pessoas podem viver suas paixões praticando esporte como lazer, entre grupos que não integrarão os espetáculos esportivos e sem ambição de glórias, a não ser aquelas das fantasias íntimas. Assim como podem viver o esporte orientadas por professores que enxergam nele uma possibilidade educacional privilegiada quando a meta é a formação da pessoa e de uma sociedade melhores.

Da mesma maneira, porém, que nas corridas do ouro metal, os gananciosos prevaleciam com seu poder econômico, no esporte o conflito estabelece-se entre seus correspondentes de hoje e os que aspiram tornar o esporte um veículo privilegiado de educação para uma sociedade melhor. O confronto, no entanto, privilegia nitidamente a busca pelo lucro desenfreado e o poder. É essa a face mais visível do esporte quando acionamos um meio de comunicação e vemos o espetáculo esportivo.

Reflexo do poder econômico do esporte atualmente no mundo é o peso dos negócios que o envolvem. As Nações Unidas informaram que o esporte representa cerca de 3% da economia mundial, e a Comissão Europeia calculou que ele representa 1% da economia da União Europeia. A consultora Deloitte indicou que o futebol é a 17ª economia do mundo, isto é, se o futebol fosse um país, estaria entre os vinte países mais ricos do mundo. Não difere muito do que afirmou o Banco Mundial, que situa o futebol entre as 24 maiores economias do mundo, próximo da Bélgica e Noruega. Na Espanha, 1,7% do PIB corresponde ao futebol, um esporte dominado por 42 empresas que formam a Liga de Futebol Profissional. Grandes marcas de produtos, esportivos ou não, espalhadas por todo o mundo, pagam fortunas para seus astros ostentarem seus logotipos.

Na outra ponta desse confronto estão as organizações sociais e humanitárias. O Unicef incentiva iniciativas em todo o mundo que mobilizam crianças e adolescentes para a prática do esporte educacional. No Brasil, entidades como a Universidade do Futebol, em parceria com o Unicef, promovem a formação de professores para a prática do esporte educacional. O Instituto Esporte Educação há mais de dez anos desenvolve tecnologias e pedagogias que apontam caminhos para o esporte educacional. Além de suas ações permanentes, o IEE é parceiro daquele que talvez seja o trabalho mais importante de divulgação do esporte educacional no Brasil, a Caravana do Esporte, em parceria com o Unicef e a ESPN Brasil. O movimento Street Football World, Futebol de Rua ou Futebol Três, movimenta cerca de 1.192.000 jovens atualmente em todo o mundo, em 62 países.

As iniciativas dedicadas ao esporte educacional entendem o esporte como um veículo privilegiado de educação para a cidadania, considerando cidadão, não apenas o que nasceu e foi registrado, mas todo aquele que exerce papel de protagonista na sociedade em que vive, zelando eticamente por sua própria vida e pela vida de seus concidadãos. Entidades como o Instituto Esporte Educação compreendem a atração irresistível exercida pelo jogo, ou, no caso das crianças, pela brincadeira. Trata-se, o esporte ou a brincadeira, de um mundo de fantasias, de entrega, de exercício lúdico da vida, de um viver por viver, em estado de graça. As paixões são mobilizadas no esporte como em nenhuma outra ocasião. No campo do esporte a criança e o jovem são voluntários, não é preciso convencê-los a estar. Forma-se, então, o ambiente propício para a educação. O aluno estará atento, disposto, pronto para aprender. É quando o educador pode, conhecendo os vícios e as virtudes do esporte, potencializar em ações práticas, as virtudes como coragem, protagonismo, autonomia, cooperativismo, decisão, a temperança, a justiça, a generosidade e a humildade, entre outras.

Falta ao esporte educacional a vitrine dos grandes eventos, tão comum ao esporte de alto rendimento financeiro. O esporte educacional não tem garotos propaganda para divulgar sua marca. Portanto, o esporte educacional precisa se espalhar, precisa investir em quantidade, precisa brotar em cada lugar onde houver um espaço possível de prática. Em hipótese alguma pode-se pensar a prática do esporte educacional em pequena escala.

Para que o esporte educacional possa se espalhar, é preciso que os envolvidos tenham à mão recursos pedagógicos e tecnológicos que facilitem as práticas. Por exemplo, se os custos dos materiais necessários às práticas forem altos, elas serão limitadas. A Caravana do Esporte, nesse sentido, tem mostrado como mobilizar grandes massas de crianças e jovens com material de baixo custo. Os espaços de prática também não podem exigir muita sofisticação, basta que sejam limpos, bem cuidados e utilizados de maneira racional. Uma quadra de esportes pode servir a apenas uma prática ou pode ser dividida para a prática de vários jogos ao mesmo tempo. E um último ponto, talvez o mais decisivo de todos: a formação dos professores de esporte educacional.

Um professor bem formado tem uma produção enorme. Produção, no caso da pedagogia do esporte educacional é uma educação que alcance muitas pessoas com a garantia de educação de alta qualidade. Os desafios são grandes. Para se ter ideia, não basta escrever em um plano que o esporte educacional forma cidadãos. Não se trata de mágica; é preciso realizar isso na prática. E a prática do esporte educacional tem como conteúdo principal as brincadeiras e os esportes. O desafio é, portanto, formar o cidadão servindo-se do futebol, ou do basquete, etc., como veículo pedagógico. O que se deve fazer no esporte educacional para que, ao término de um programa, reste como legado ferramentas para o exercício da cidadania?

Percebo que, embora os professores reúnam boas ferramentas pedagógicas, ainda pecam muito no domínio das questões metodológicas. O esporte não faz milagres; a simples prática do esporte não transforma ninguém em cidadão. Isso porque o esporte tem tanto virtudes quanto vícios. Quando observamos o esporte vemos, claramente, que estão presentes tanto a coragem quanto a covardia, tanto a lealdade quanto a traição, tanto os erros quanto os acertos, e assim por diante. Deixado sem orientação, tanto pode acontecer uma coisa quanto outra; com uma má orientação, os vícios prevalecerão; bem orientado, as virtudes serão dominantes.

Portanto, o esporte, para ser educacional, tem que ser bem orientado. E para ser bem orientado, deve estar nas mãos de professores muito bem formados. É preciso escrever nas intenções, nos planejamentos, que é pretensão educar para a cidadania. Em seguida é preciso pegar as bolas, as cordas, os bastões, ir para a prática e produzir, nas ações de jogo, os instrumentos que conduzem a essa cidadania.

Os exemplos práticos podem ser muitos. Vamos considerar, por exemplo, que uma aula de esporte educacional pretende ensinar a todos os alunos um dos fundamentos básicos do basquetebol, que é a condução da bola. Para tanto, o professor desafia os alunos a passarem, sem bola, sob uma corda batida, sem tocar nela. Não é um desafio difícil e quando todos conseguirem fazer isso, o próximo será fazer com que passem sob a corda em sequência, até formar, por exemplo, 40 passagens. Sem bolas é um desafio perfeitamente possível e sem grandes dificuldades para crianças de 9 ou 10 anos. Assim que conseguirem, entra então a questão da condução da bola. O professor pede que os alunos, sem contagem, passem sob a corda quicando a bola, mas deixa que cada qual faça o gesto ao seu modo. Isso feito, volta-se ao desafio da contagem, de 30 ou 40 passagens em sequência.

Ao final de uma aula dessas, se for bem orientada, os alunos, não só aprenderam tecnicamente bem um fundamento, a condução, como, para cumprir a tarefa, tiveram que aprender a cooperar. O conhecimento de cooperar não se aplica só à brincadeira de corda; pode ser levado para outras situações de vida. Portanto, se a metodologia for adequada, conhecimentos necessários à cidadania podem ser produzidos em ações como a que foi descrita.

Páginas consultadas:

http://www.elconfidencial.com/deportes/futbol-pib-espana-20100327.html

http://www.cvida.com/component/content/article/41-boletines/6266-cataluna-estudio-sobre-el-peso-economico-del-deporte.html

http://www.fae.usach.cl/fae/index.php?option=com_content&view=article&id=2622:la-influencia-del-mundial-de-futbol-en-la-economia&catid=13:noticias-fae

As Desigualdades no Esporte: João Batista Freire

Coloco aqui um pequeno texto de do grande Mestre João Batista Freire que conseguiu transcrever tudo que penso a respeito do esporte. Por isso, ele e uma das fontes de motivação e inspiração para continuar na luta…

Quando falamos de desigualdade, geralmente nos referimos a questões econômicas e sociais; pouco falamos das desigualdades de conhecimento. Na área do esporte, por exemplo, ele é reservado quase que exclusivamente para alguns poucos atletas de alto rendimento, dirigentes e empresários da área. O povo é plateia, na maior parte das vezes, pouco esclarecida e financiadora de uma bela fatia do mercado das corridas e bolas. Se o esporte de alto rendimento fosse um país, estaria entre os vinte mais ricos do mundo. E quanto menos esclarecido for o povo, mais brotarão do chão, como ervas daninhas, os Marins e Teixeiras da vida.

Esporte educacional, nem pensar em nosso país; fica restrito aos enfadonhos projetos governamentais para cumprir tabela (com as exceções de praxe) e aos esforços heroicos de algumas entidades não-governamentais. O esporte de lazer ou de participação é praticado por aí, e nem sabemos a quantas anda, porque não ocupa as preocupações do poder público. E o povo vai morrendo enquanto morre de inanição educacional, vítima dos infartos, diabetes e desesperanças.

O saldo é dramático. Não há políticas públicas consistentes na área do esporte. O protagonismo do esporte em um país carente de educação como o Brasil teria que ser do esporte educacional. O esporte de alto rendimento deveria ser apenas um caso do educacional. Pois que, até para se tornar atleta de alta competição ou plateia, seria preciso ter educação adequada. Não podemos sentar à frente da TV e assistir qualquer coisa sem nenhum poder de apreciação crítica. Não poderíamos representar as altas competições como atletas sem ter condições mínimas de governar a própria carreira.

Porém, o que falta mesmo é uma consistente política de esporte educacional que se preocupe em com a educação esportiva dos brasileiros. Nós brasileiros não somos educados em nossas escolas (com as exceções de praxe). Nem matemática e português aprendemos depois de 9600 horas de ensino básico, quanto mais esporte. Mas deveríamos. E não somos por falta vontade política. Nossos governos apenas tentam remendar os buracos econômicos e explicar os estragos produzidos pela corrupção. Educação é discurso de palanque, e não sai dele. Educação esportiva até parece que seria, para os governos, um luxo, quando não é, é obrigação do Estado, pelo menos segundo a Constituição de 1988.

Esporte é um patrimônio cultural rico demais para ficar nas mãos das confederações nacionais e internacionais. Não é justo alimentarmos as máquinas de fabricar dinheiro de entidades como a FIFA. Assim como é inadmissível que, para prender facínoras do futebol brasileiro a gente tenha que chamar a cavalaria norte-americana.