KORFEBOL NO PRESÍDIO ESMERALDINO BANDEIRA “BANGU 3” – Parte 1
Quando comecei em 1998 a divulgar o Korfebol no Rio de Janeiro, e mais tarde em todo o Brasil, nunca poderia imaginar que um dia realizaria uma palestra sobre Korfebol em um presídio. Mas em nossa profissão, e como tudo na vida, nunca podemos dizer “nunca”. Em 2008, através do Dr. João Delphim, psicólogo que coordena o Projeto Vida do Complexo Penitenciário BANGU 3 (Esmeraldino Bandeira), fui convidado a palestrar sobre Korfebol. Confesso que sempre gostei de grandes desafios em minha vida, tanto que resolvi divulgar o Korfebol no país do futebol e também do vôlei, sempre enfrentando grandes dificuldades, preconceitos, desconfianças etc., porém também sendo ajudado por muitas pessoas que torcem pelo sucesso da modalidade e em especial do meu trabalho, que eu classifico como “missão”. Dizer que não senti insegurança por estar em um ambiente totalmente desconhecido, do qual só sabia informações por filmes, jornais e noticiários de TV, seria mentira, mas o desafio falou mais alto e acabei aceitando o convite de levar aos presos um pouco de alegria e tentar através do Korfebol e suas regras pedagógicas diminuir sua agressividade e aumentando o bom convívio entre eles.
O projeto que se desenvolve no Presídio Bangu 3 denominado “Projeto Vida” é muito interessante, pois possibilita aos presos de bom comportamento de poderem participar de atividades esportivas, e sócio-culturais. Existe uma equipe multidisciplinar, composta de professores, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e terapeutas ocupacionais, que monitoram o bom andamento do projeto. O que mais me surpreendeu no tempo em que estive lá, foi que lá os presos permanecem soltos, ou seja, o que para mim seria uma forma de incentivo a fuga, na verdade para eles não era. Questionei o Diretor do Presídio se haviam fugas e o mesmo mencionou que seria uma tremenda “falta de inteligência” tentar fugir já que todos que estavam ali estavam prestes e sair e gozavam de regalias, ou seja, seria dar um tiro no próprio pé.
Ao chegar ao presídio, deparei-me com uma cena que me comoveu… 20 presos estavam sendo transferidos, sendo que aproximadamente 8 eram idosos de 70 anos, que estavam algemados em dupla com presos mais novos e tinham muita dificuldade para entrar no furgão de transferência. Por alguns momentos pensei em ajudá-los a subir, porém a emoção tomou conta e mal conseguia caminhar naquele momento. Olhos embaçados ao ver uma cena comovente, mesmo sabendo que eram criminosos. Fui muito bem recebido na escola e por todos os presos que cruzei no trajeto da entrada do presídio até o local da palestra. Todos sorriam e demonstravam alegria por ter um visitante. Pude observar que existiam muitos estrangeiros, entre eles angolanos, búlgaros, alemães, sul-africanos e holandeses, conterrâneos do Korfebol. Concluí que estariam presos devido ao tráfico de drogas internacional. Fui conduzido pelo psicólogo até uma sala de aula preparada com data show e carteiras para receber meus novos alunos de Korfebol. Nesse momento fiquei um pouco receoso, pois eles não sabiam que naquele dia não iriam jogar futebol, e poderiam se revoltar e não prestigiarem a palestra. Em minha vida acadêmica participei de vários projetos sociais, trabalhando com muito sucesso em comunidades carentes no Rio de Janeiro (Vila do João, Nova Holanda, Vila Cruzeiro, Choppinho de Olaria e Fernão Cardim) algumas dessas bem famosas pela violência e tráfico de drogas. Busquei sempre fazer um bom trabalho e levar um conceito diferente a todos os participantes do projeto Esporte, Cidadania e Korfebol. Nem sempre conseguia obter sucesso com Esportes e Cidadania devido a problemas externos, porém o Korfebol sempre era sucesso nas comunidades, tanto que certa vez deixei de ser assaltado em um ônibus por ser reconhecido como o “Marcelo do Korfebol”. Pensei que meu desafio naquele momento era motivar os presos da mesma forma que motivava meus alunos nas comunidades. Tenho é muita determinação, e amor pelo Korfebol e pela profissão de educador físico. E talvez esse amor transborde e acabe motivando as pessoas a jogarem Korfebol. Em 15 minutos de palestra teórica eu já tinha conquistado os presos com meu lado brincalhão, quebrando o clima de tensão que, se existia, ali tinha acabado. Acredito que ali os tinha conquistado.
Eu tinha aproximadamente 50 minutos para realizar todas as atividades com os detentos, regras básicas e realização dos jogos, dos 40 presos apenas 20 se dispuseram participar dos jogos, o que particularmente facilitou ainda mais minha missão. Os novos alunos entenderam rapidamente a filosofia do jogo (não contato físico, não progressão com a bola, deslocamentos rápidos para envolver o adversário) apenas tiveram a dificuldade natural de acertar a bola na cesta, o que foi rapidamente assimilado quando realizei treinamento de 10 minutos do fundamento arremesso. O que era para ser uma aula de 50 minutos acabou virando um curso de Korfebol de 3 horas. Tanto que os presos não queriam parar de jogar e o Diretor do presídio acabou descendo para conhecer de perto o Korfebol. Nesse momento por estar treinando os presos não notei a aproximação do diretor que ao final do evento mandou me chamar para elogiar o trabalho e a maneira como deixei os presos motivados, sendo que nos convidou para retornar em 2009 e realizarmos um jogo para a ala feminina e no segundo semestre realizarmos o primeiro jogo unindo a ala feminina com a ala masculina.
Nesse período em que estive no presídio fui apresentado ao colega de profissão Professor Sidnei da Silva que realiza um excelente trabalho, mostrando que nem tudo está perdido e que o Brasil não é apenas o país do futebol. Existem outras formas de prática desportiva e que mesmo com dificuldades podemos trabalhar e ensinar tudo que aprendemos na Universidade.